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A balcanização da Ucrânia
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A diplomacia ocidental joga com o território ucraniano pelas costas do governo de Kiev

e em Kiev já não podem entender para onde tudo se move.

 

SPUTNIK CONSULTING

 

 

 

 

 

Reportagem especial
CHERNOBYL - UMA TRAGÉDIA ETERNA
Relatos e fotos feitos por Sputnik Commercial & Consulting na cidade Fantasma
 

 

- Antes da Catástrofe
- A evacuação 
- Os homens que salvaram o mundo
- Um mundo sem ninguém
- Vizinhos de Chernobyl
- Oportunismo, fim da utopia e produção cultural sobre a tragédia
Sérgio Lessa.
Abril de 2016 
Atualização abril de 2020

Putin presta homenagem aos heróis e vítimas de Chernobyl

 

O presidente russo, Vladimir Putin prestou homenagem aos heróis e vítimas de Chernobyl em uma mensagem para marcar o aniversário do pior acidente na história do uso pacífico da energia atômica.

 

"Chernobyl foi uma grande lição para a humanidade e suas consequências até hoje têm um impacto sobre a natureza e a saúde das pessoas", escreveu Putin em sua mensagem, publicada no site do Kremlin".

 

O presidente russo sublinhou que "a magnitude da tragédia poderia ser infinitamente maior, se não fosse pela coragem exemplar e sacrifício de bombeiros, soldados e médicos, que se reuniram para honrar o seu dever profissional e cívico".

 

"Muitos deles sacrificaram suas vidas para a salvação dos outros", acrescentou. Putin sublinhou que todos os que participaram na liquidação da catástrofe na usina nuclear de Chernobyl, na Rússia são considerados, e com razão, "verdadeiros heróis".

 

"Nós inclinamos nossas cabeças ante a memória dos falecidos. E, naturalmente, expressamos nossa profunda gratidão aos veteranos liquidadores " , concluiu o chefe do Kremlin.

 

Em 26 de Abril de 1986, a explosão de reator número 4 da usina de Chernobyl, a 120 quilômetros de Kiev, liberou na atmosfera mais de 50 milhões de curies de radiação e vastas áreas foram contaminadas na Ucrânia, Bielorrússia e Rússia, então partes da União da Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Antes da catástrofe

Testemunha filmou ataque dos helicópteros Mi24 russos contra o Estado Isâmico

Para a construção de Pripryat vieram jovens da juventude comunista (komsomols) de toda a URSS. Em 1970 a nova cidade estava pronta para receber seus habitantes com média etária de apena 26 anos porém, Pripyat viveria apenas até sua adolescência.

 

Lá estão as avenidas Lenin, Heróis de Stalingrado, Amizade dos Povos entre outras com tradicionais nomes soviéticos, avenidas as quais a cada ano que passa a floresta retoma uma parte, mas algo permanece bravamente, em uma placa com um nome de rua, ou comemorativa de um feriado soviético que ninguém lembra mais, um monumento, ou qualquer estrutura pública como um estádio, uma piscina, uma escola, tudo planejado conforme o padrão urbanístico e ideológico da época, no futuro, já que o esquecimento da história é característica da nossa sociedade pós moderna, arqueólogos interpretarão os vestígios e imaginarão que tipo de sociedade habitou esse lugar, e o por que de um dia, assim como Pompéia sepultada pelo vulcão Vesúvio, tudo acabou em um instante, como o despertar de um sonho.

Av. Lenin, a principal da cidade.

Pripyat e Chernobyl antes da Catástrofe nuclear tinham largas avenidas, super quadras de apartamentos, piscinas, estádio, teatros, cafés, bibliotecas, cinemas jardins de infâncias, como típicas e jovens cidades soviéticas planejadas segundo o padrão comunista de urbanismo para cuidar da vida que crescia como uma frágil flor protegida em uma estufa. Foi tudo destruído. Um prelúdio do que aconteceria com o país, anos mais tarde em 1991 com o desfecho da Perestroika. Pensando na magnitude dessa catástrofe que se abateu sobre a URSS e suas lições, Chernobyl pode ser entendido como uma janela para o passado do nosso planeta, um passado onde a natureza reinava sem a presença do homem, ou uma janela para o futuro da humanidade, um futuro talvez não muito distante onde a civilização terá perecido em razão da inconsequência do homem que brinca com o poder do seu conhecimento, tal como uma criança que encontra o revolver do pai. Como em Chernobyl, no futuro sem os homens, as cidades fantasmas continuarão como testemunhas em tons de cinza, tristes e aterrorizantes de nossa breve passagem por este planeta.

Aqui, em 26 de abril de 1986 começou a ser escrito o ato final da odisseia da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O sonho socialista foi interrompido bruscamente pelo pesadelo atômico, quando naquela madrugada a cidade dormia, o reator número 4 da usina nuclear Vladmir Lenin saiu de controle, luzes vermelhas piscavam enlouquecidas, sirenes disparavam enquanto uma doce voz de mulher pré gravada no computador russo da usina indiferente ao desespero humano informava o tempo até o momento crítico, os técnicos soviéticos até o último segundo tentaram em vão fechar a caixa de pandora mas, já era impossível parar a máquina do inferno em que se transformara aquela usina, o reator explodiu e selou os destinos de milhares de pessoas, influenciando assim decisivamente os rumos do maior país do mundo, sua economia, ideologia e união.

Os planos soviéticos de levar o homem a marte em
1974
 

A EVACUAÇÃO!

Ordem de evacuação emitida

por auto-falantes, rádio e tv:

 

 

"Atenção, atenção! Caros camaradas! O Soviet Municipal dos Deputados do Povo informa que devido ao acidente na usina nuclear de Chernobyl, na cidade de Pripyat, as condições de radiação são desfavoráveis.


Órgãos do Partido, dos Soviets e unidades militares estão tomando as medidas necessárias. No entanto, a fim de garantir a segurança completa das pessoas, e, acima de tudo, das crianças, surge a necessidade de realizar a evacuação dos habitantes da cidade (...) em cada prédio de apartamentos hoje, vinte e sete de Abril, a partir de quatorze horas haverão ônibus acompanhados pela milícia e representantes do comitê executivo".

AS AUTORIDADES SOVIÉTICAS EVACUARAM 40 MIL PESSOAS EM 3 HORAS

 

A URSS. vinha se preparando para a III Guerra mundial desde os anos 40, de maneira que procedimentos de evacuação das cidades eram treinados e aprimorados constantemente. 


Enquanto a contaminação nuclear avançava, tendo deixado tudo que tinham nos partamentos, a população civíl era levada para longe da zona contaminada em centenas onibus e trens apressados, ao mesmo tempo que chegavam a cidade unidades do Exército Vermelho e pessoal civil para iniciar os combates aos efeitos da contaminação. Estavam surgindo os últimos heróis da União Soviética.

Os homens que salvaram o mundo

Os liquidadores, como ficaram conhecidos os soldados de Chernobyl, foram conscientemente para a morte, trabalharam minimizando os  efeitos da radiação em lugares que nenhum ser humano poderia ficar mais do que alguns segundos e livraram o mundo de uma catástrofe ainda maior

Soldados do Exército Vermelho com máscaras e armaduras de chumbo 

Após a explosão, enormes quantidades de grafite altamente radioativo foram lançadas para o teto da Usina 

Inicialmente tentou-se retirar o material utilizando robôs do programa lunar soviético mas, o nível de radiação era tão alto alí que fazia os robôs enlouquecerem e sairem de controle. A única coisa a fazer era usar seres humanos. Os BioRobôs como ficaram conhecidos

Para uma pessoa que não tem nenhuma ligação especial com o tema, é muito difícil compreender a real dimensão desse desastre, e sobretudo é desconhecido do público geral o quão ele poderia ter sido pior se não fosse pelo heroísmo de milhares de homens que deram a vida para fechar o portão ardente do inferno e liquidar os efeitos imediatos da catástrofe. Estes homens, heróis, soldados do exército vermelho, oficiais do partido e profissionais civis de diversas esferas ficaram conhecidos como liquidadores.

Voluntários que atenderam ao chamado do Estado soviético para mais uma vez salvar o mundo, assim como seus pais e avós livraram o mundo do nazismo, a missão agora era contra o poder do átomo saído de controle. 
 

Os primeiros heróis foram os trabalhadores da usina que ficaram em seus postos na sala de controle até o último segundo na tentativa de evitar a catástrofe. Um deles foi pulverizado imediatamente após a explosão, os outros viriam a morrer dias depois, mas, desejariam ter morrido de imediato pois o contaminado por radiação (a este nível) sente como se seu corpo estivesse em chamas.

 

Após a explosão, os primeiros a serem alertados foram os bombeiros da cidade, após o alarme se dirigiram imediatamente ao local, em poucos minutos já sentiam os efeitos da contaminação radioativa. Nenhum integrante da equipe, sendo o mais velho de 26 anos, sobreviveu.

1200 toneladas de magma incandescente queimavam liberando fumaça radioativa, se essa mistura de urânio e grafite entrasse em contato com a água acumulada abaixo do reator isso causaria uma segunda explosão, como uma superbomba atômica, a cidade de Minsk na Bielorússia 350 km de distância seria varrida do mapa e a Europa ficaria praticamente inabitável

A cidade foi evacuada e 48 horas após o acidente, as únicas pessoas lá eram os militares e membros da delegação cientifica reunidos no hotel Pripyat, um local altamente contaminado.

No dia 27 a nuvem radioativa tinha se espalhado pela União Soviética e no dia 28 chegava à Europa Ocidental. 
O governo soviético mobilizou 600 mil homens de toda a União Soviética para combater os efeitos do desastre em Chernobyl e evitar que outras áreas do país e do mundo fossem afetadas.

Como chegar próximo ao do marco zero era sabidamente mortal? Inicialmente para os trabalhos mais perigosos foram utilizados veículos robôs, dentre eles o que melhor funcionou foi um veículo monitorado remotamente que havia sido criado originalmente para o programa lunar soviético, mas a radiação no local era tão absurdamente forte que afetava até mesmo o funcionamento das máquinas que enlouqueciam e não mais obedeciam aos comandos do operador remoto. Porém era necessário recolher milhares de materiais altamente radioativos resultantes da explosão no edifício e enterra-los evitando que a contaminação se espalhasse ainda mais.

Rússia lança nave espacial Soyuz do 

cosmódromo de Baikonur

 

Foi tomada a única decisão possível, era necessário utilizar “biorobôs” como ficaram conhecidos os soldados kamikazes soviéticos que em substituição aos robôs se exporiam voluntariamente a níveis de radiação tão elevados que nenhum ser vivo poderia suportar, mas era preciso cumprir a missão dada. Alguém tinha que fazer o trabalho, chegou a vez deles servirem a pátria, tal como seus país e avós na Grande Guerra Patriótica (II Guerra Mundial) eles também teriam sua chance de salvar o mundo. Moscou enviou 80 helicópteros militares para combater o incêndio, a tripulação deveria atirar sacos de areia e ácido bórico para extinguir as chamas, mas mesmo a 200 metros de altura os soldados recebiam dozes letais de radiação.

Durante a operação com helicópteros, 600 pilotos foram contaminados. Todos eles morreram, sendo que uma tripulação morreu quando ao entrar em pane o helicóptero se precipitou sobre a usina.

Em outra frente de combate, mineiros dos montes Urais foram chamados para cavar um túnel até a Usina e bombear a água acumulada em baixo e instalar um equipamento para resfriar uma laje evitando que ela se rompesse e o material radioativo atingisse os rios e consequentemente contaminasse o mar.

1200 toneladas de magma incandescente queimavam liberando fumaça radioativa, se essa mistura de urânio e grafite entrasse em contato 

Ciência
 
Arquitetura
 
Urbanismo

com a água acumulada abaixo do reator isso causaria uma segunda explosão, como uma superbomba atômica, a cidade de Misnk na Bielorussiaa cerca de 350 km de distância seria varrida do mapa e a Europa ficaria praticamente inabitável, mas graças a eles, o pior foi evitado.

 

Vilas foram enterradas, todos os animais foram sacrificados, duas cidades foram abandonadas para sempre, milhares perderam a vida, bilhões de dólares foram perdidos, mas devido a esses heróis verdadeiros e quase desconhecidos os efeitos do maior desastre industrial que a humanidade já viu foram contidos, embora muitos sofram até hoje, e outras gerações ainda serão marcadas por este evento sem precedentes. Em um dos mais espetaculares feitos de engenharia, engenheiros e trabalhadores soviéticos construíram um sarcófago no ambiente mais insalubre imaginável onde nenhum ser humano podia ficar mais que 14 segundos para selar o que restou da usina e o reator que ainda hoje queima lá dentro.

UM MUNDO SEM NINGUÉM

As cidades de Chernobyl e Pripyat hoje

sputnik-consulting.com

sputnik-consulting.com

Antes e Depois

Estima-se que a catástrofe nuclear de Chernobyl tenha custado aos cofres da União Soviética a cifra astronômica de 200 bilhões de dólares, o desastre mais caro da história, um golpe de morte na economia do país. Mais do que isso, os mortos por câncer são contados em 25 mil e uma extensa área faz parte hoje da chamada “Zona de exclusão”, florestas, rios, aldeias estradas e cidades fantasmas, uma zona morta, parada no tempo, contaminada pelos próximos 265 mil anos. Andar por essas ruínas é como se transportar para uma outra dimensão, um mundo silencioso e triste, onde o tempo tem qualquer outra significância. Por vezes, subindo uma escada, abrindo uma porta, entrando num salão onde outrora crianças jogavam futebol, ou ao ver um livro aberto há trinta anos na mesma página, é quase possível ouvir ecos, vozes de um passado alegre onde o futuro era promissor, mas algo deu terrivelmente errado aqui.

Antes e Depois em videos 
Piscina Lazurni em Pripyat
Ginásio anexo à piscina da cidade

 

Após 33 anos os níveis de radiação aqui são praticamente os mesmos e abaixam muito lentamente, o pesadelo será eterno. A radiação se fundiu à água, vegetação e solo, aqui existem determinados lugares em que nem se quer se pode pisar na terra.

 

Embarcamos em um carro em Kiev em uma manhã chuvosa de outono. São cerca de 2 horas de carro até o local da catástrofe, a estrada é ruim, mas a paisagem é de campos e fazendas que não te faz lembrar o acidente nuclear. Chegamos até fronteira da zona de exclusão indicada por planas em russo e ucraniano. A primeira parada é em uma velha aldeia próxima a Chernobyl, tudo aqui já está completamente tomado pela floresta, percebe-se algumas casas, um estábulo, totalmente obstruídos pela vegetação, aqui antes do acidente funcionava um Kolkhoz (cooperativa agrícola) que abastecia Chernobyl e Pripyat.  

Dentro da zona de exclusão funciona uma base militar e de cientistas

A área onde está o reator acidentado tem níveis de radiação cem vezes maior do que o normal. Os que trabalham ali ficam por 15 dias e depois saem por 3 semana para descontaminação até poderem voltar novamente.

Há aproximadamente 500 pessoas geralmente identificadas pela roupa verde, roupa dos liquidadores, que vivem em alguns dos antigos blocos de apartamentos evacuados. O lugar é melancólico, papeis de parede rasgados amarelados junto com objetos novos e dos antigos moradores compõe o cenário do lugar.  Quem vive e trabalha aqui deve se policiar o tempo todo em seus atos cotidianos.

 

Uma dose letal de radiação começa a partir de 300 roentgens (medida de radioatividade) por hora. Acima 500 roentgens/hora, a morte é certa. Nos lugares seguros a radiação varia de dez a centenas de microrroentgens. O risco é a exposição continuada, já que a radiação ionizante é cumulativa no corpo. Dentro da zona de exclusão. existem bolsões de altíssima radioatividade, capazes de matar qualquer planta ou animal em poucos minutos por isso, item fundamental de segurança ao circular por aqui é o contador de roentgens.  

 

O complexo de Chernobyl é gigantesco, alguns dos reatores continuaram funcionando depois do acidente no reator número 4. O tempo de permanência máximo seguro aqui é 15 minutos, podemos observar o primeiro sarcófago e a construção do segundo que enfrenta (enfrentava, quanto foi escrita a matéria, hoje o novo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sarcófago já encontra-se concluído) sérios problemas de financiamento. Próximo daqui há alguns monumentos memoriais como aos 28 bombeiros que entraram no reator no dia do incêndio para conte-lo, todos morreram dias depois.

 

Mais adiante está a Floresta Vermelha, um lugar mortal, ganhou esse nome porque o nível de radiação lá é 200 vezes maior que o normal pois, no dia da explosão uma corrente de vento jogou uma grande quantidade de radiação em cima da floresta e que acabou se fundindo a ela, com isso as árvores ganharam uma coloração avermelhada. Algumas casas que haviam aqui foram enterradas.

 

Finalmente chegamos em Pripyat, a cidade que um dia teve mais de 40 mil habitantes é hoje um retrato de como será o mudo depois que a humanidade desaparecer. Andar por este lugar é como ser transportado para uma dimensão paralela, um lugar que joga com nossas noções de passado e futuro, porque por uma lado há tantas referências ao passado desse lugar, coisas que permanecem por décadas intocadas, os próprios vestígios da arquitetura e do urbanismo soviéticos, lembro que essa era uma cidade modelo, mas por outro lado, também parece que o futuro, não aquele futuro brilhante imaginado por aqueles que construíram esse lugar, mas um futuro trágico, aqui chegou mais rápido, o futuro do mundo sem nós, seres humanos.

O silêncio nesta cidade fantasma, entre seus blocos de apartamentos, escolas, jardins de infância, hotéis, piscinas públicas, ginásios e um parque de diversões nunca inaugurado é simplesmente eloquente pois em si traz ecos preservados do passado desse lugar, mas não apenas desse lugar, deste país que já não existe mais, desapareceu pouco mais de cinco anos após o acidente aqui, mas de certa forma algo dele, uma lembrança perdida permanece neste lugar.       

Reator número 4, acidentado da Usina Vladmir Lenin de Chernobyl. O tempo seguro de permanência neste local é de 15 minutos

Vizinhos de Chernobyl
É difícil imaginar que a vida continua e em torno de Chernobyl e Pripyat. No entanto, em 1988, apenas dois anos após o colapso, uma nova cidade subiu das cinzas, Slavutych

É difícil imaginar que a vida continua e em torno de Chernobyl e Pripyat. No entanto, em 1988, apenas dois anos após o colapso, uma nova cidade subiu das cinzas. Slavutych foi concebida para realojar os residentes evacuados de Pripyat e Chernobyl, localizada a 64 km de distância de Chernobyl. A cidade foi a última grande construção da era soviética, com recursos consideráveis ​​dedicados ao seu desenvolvimento. Como resultado, o padrão de vida na cidade é extremamente elevado e praticamente inalterada desde os tempos soviéticos.

 

Qualquer um fica surpreso com o quão a cidade é limpa. O viajente parece ter tomado uma máquina do tempo de volta a era soviética. Pouca publicidade, poucos carros, espaço público limpo. Um forte contraste em comparação com uma cidade como Kiev ou o Chernihiv  vizinhas, onde o ambiente urbano é muito caótico.

 

A geração pós-soviética que cresce nesta cidade vive como em uma cidade comum, com o tédio diário. "Quanto mais velhos ficamos, menos atividades existem e essa é uma das questões-chave com a qual o município está lidando. É um problema de cada cidade pequena. Eles instalaram algumas novas instalações desportivas ao ar livre, mas um dos principais problemas é o horário de trabalho em Chernobyl: duas semanas de trabalho são seguidos por duas ou três semanas de férias (para diminuir o risco de contaminação). “Nem todo mundo gosta de esporte e fora isso e cuidar da casa, não há muito a fazer”, dizem os moradores.

 

Embora a usina nuclear tenha sido praticamente desativada, o trabalho em Chernobyl é uma escolha de carreira comum para as pessoas mais jovens empregadas em trabalhos de descontrução do complexo. Ninguém precisa de um programador, um jornalista ou um designer gráfico em Chernobyl. Portanto, todos eles se tornam dosimetristas, motoristas de caminhão, soldadores ou similares Embora isso envolva abandonar outras ambições.  Mas a maioria deles tem uma compreensão de que é uma grande tarefa e estão orgulhosos de serem parte de um dos maiores projetos de construção da Europa.

Slavutych, hoje com 25 mil habitantes, foi concebida para realojar os residentes evacuados de Pripyat e Chernobyl, localizada a 64 km de distância de Chernobyl. A cidade foi a última grande construção da era soviética

OPORTUNISMO, UTOPIA E A PRODUÇÃO CULTURAL SOBRE A TRAGÉDIA

A tragédia de Chernobyl teve um papel fundamental para a precipitação da queda da URSS. Na sua forma nascente, a perestroika, anunciada pelo Presidente Gorbachev em abril de 1985, não implicava quaisquer reformas políticas: o seu objectivo anunciado eram reformas econômicas apenas. Chernobyl aconteceu em abril de 1986 e em janeiro de 1987 a Plenária do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética anunciava a  glasnost, um relaxamento concomitante de censura da mídia e um levantamento do embargo sobre a discussão de temas que antes eram considerados tabu.

 

Chernobyl, assim, ocorreu entre duas fases críticas da perestroika. Artigos e livros sobre a tragédia, que começaram a aparecer em 1987, constituiam a primeira realização prática da noção teórica da glasnost. A discussão aberta sobre a tragédia na mídia, impulsionada pelas crítica ferozes e muitas fezes infundadas sobre as ações do governo, foi sem precedentes na história da URSS, e teria sido inconcebível, mesmo em 1986. Apenas um ano depois, no entanto, aconteceu o inverso. O desastre foi usado por sabotadores do país para criar um descrédito na população em relação ao sistema soviético.

 

Chernobyl cresceu na mente das pessoas como uma metáfora - chegou a ser considerada como um presságio, um prenúncio do desastre social nacional e global. O desaparecimento do próprio país.

 

A contaminação do desastre se estendeu muito além da zona de exclusão de 30 km. Florestas e lagos a centenas de quilômetros de distância foram afetados, assim como a atmosfera. A "zona de exclusão", um termo criado pelos irmãos Strugatsky em seu romance adaptado ao cinema "Stalker" por Tarkovski havia se tornado uma realidade assustadora. Chernobyl começou a ser interpretada como uma espécie de vingança violente pela natureza contra a humanidade. desastres antropogênicos foram considerados maneiras da natureza retaliar  contra o homo sapiens (o encolhimento do Mar de Aral, um outro desastre dos anos 80, provocou uma reação similar na produção cultural da época).

 

A tragédia de Chernobyl também tinha uma dimensão catártica. É associado com a questão da responsabilidade ética e moral. No bojo das criticas ao sistema, criou-se a expressão "Chernobyl espiritual" para falar dos políticos de então. Enquanto isso, o termo "sarcófago", usado para se referir à estrutura de concreto especial que envolve o reactor nuclear danificado, tornou-se associado com um dos principais monumentos soviéticos, o  Mausoléu de Lênin na Praça Vermelha. Pessoas interpretado o acidente como um sinal de que eles "não podia continuar vivendo dessa maneira". Muito parecido com a radiação nuclear, a dissolução da consciência, de responsabilidade moral e profissional, é invisível a olho nu. Em ambos os casos, no entanto, as consequências são catastróficas. Uma vez envenenado, solo e atmosfera da sociedade devem ser descontaminados - totalmente, não parcialmente. Uma sociedade envenenada exige uma metamorfose profunda, não apenas a mudança superficial". Este pensamento absurdo e oportunista foi usado internamente para criar uma atmosfera antigoverno por aqueles que queriam se apoderar dos bens públicos, petróleo, minérios, fabricas etc. Exatamente isso viria a ocorrer com a catástrofe maior anos depois, o liberalismo corrupto e lesa-pátria de Boris Yeltsin.

 

Chernobyl implicou a quebra das ilusões. A utopia soviética tinha acabado.  Pregavam os entreguistas – A nova Utopia era a integração ao Ocidente.  

Chernobyl muitas vezes serve como um trampolim para contos de infância perdida, amizade, aventura; ele fornece o cenário para dramas psicológicos, romances históricos e histórias de amor. Um dos exemplos mais famosos deste tipo de literatura é "Gases" de Anatoli Demski. Envolvido na operação de recuperação 1986-1993, Demski descreve a vida cotidiana entre os liquidadores.

 

A literatura soviética oficial respondeu à tragédia na sua forma habitual, tentando ser fiel à "dimensão da tragédia". Em 1989, o escritor ucraniano Volodymyr Yavorivsky escreveu "Mary de absinto no fim do século", um romance que nasceu a partir de seu trabalho como correspondente de Chernobyl e está situado em uma vila localizada dentro da zona de exclusão de 30 km. É notável que, quase uma década antes, Yavorivsky tinha escrito "Reação em cadeia", um romance realista socialista típico que glorifica o trabalho das pessoas que construíram Chernobyl. Enquanto isso, o poeta ucraniano Boris Oliynyk escreveu o poema "Sete" em 1988 - e  o dedicou aos bombeiros que morreram no desastre. "Mal Star", um romance do escritor soviético bielorrusso e Herói do Trabalho Socialista Ivan Shamyakin, foi escrito em moldes semelhantes. O romance gira em torno de uma família soviética comum. O pai de família, um ex-militar, é um guarda na usina, o mais novo de seus filhos trabalha lá como engenheiro, enquanto o mais velho é um piloto que encontra seu fim no Afeganistão. O romance, que começa na veia socialista-realista, termina tragicamente: quase todos os personagens morrem.

 

Duas obras recentes sobre Chernobyl que ganharam grande repercução formam "Chernobyl" por Svetlana Alexijevich, a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2015. O trabalho de Alexievich, como o de muitos outros, é baseado em testemunhos oculares - mas seu talento literário lhe permite moldar esses testemunhos em uma sinfonia única de sofrimento humano e coragem, mantendo um tom confessional. O romance é realmente uma oração; suas páginas choram. "Duas catástrofes coincidiram", escreve Alexievich ", a catástrofe cósmica de Chernobyl e a de uma sociedade: o afundamento da Atlantis socialista. Esta segunda calamidade ofuscando a primeira porque era de preocupação mais imediata para nós e mais compreensível ".

 

 

A minisérie "Chernobyl" de 2019, do canal HBO.

Em Chernobyl, o inimigo está por toda a parte. Pior ainda, ele não pode ser visto ou sentido. O espectador sabe o que está acontecendo, o que faz cenas de pessoas interagindo normalmente se tornarem imagens de agonia e terror. 

O outro trabalho que tem a trajegia como tema é "Chernobyl", de 2019. 

Coprodução da HBO com o canal britânico Sky , "Chernobyl" já é uma das produções mais bem avaliadas daquele ano. Em cinco episódios, a minissérie dramatiza o desastre nuclear ocorrido em 1986 na União Soviética.

 

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Fundador Sputnik Consulting & Commercial,

Sérgio Lessa é historiador, pós graduado em geopolítica e relações internacionais, diplomado em língua russa pelo Instituto Pushkin de Moscou, professor e tradutor/intérprete do idioma russo. 

Esteve em Chernobyl em setembro de 2013.

Um guia para a cultura e uma ponte para os negócios no Leste Europeu e Ásia Central,

o antigo mundo soviético. 

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