A Rússia poderia ter desaparecido em 1991
As tentativas de transformar a União Soviética em União dos Estados Soberanos e os
acordos entre Boris Yeltsin, Mikhayl Gorbachev e líderes regionais que poderiam ter levado ao desaparecimento não só da URSS, mas da própria Rússia

A "maior catástrofe geopolítica do século XX", a destruição da URSS, nas palavras de Vladimir Putin, poderia ter sido ainda maior. Após quase trinta anos alguns detalhes já estão fracos na memória mas, é necessário lembrar deles, para entender o quão perto estava o perigo de destruição, não apenas da URSS mas também, da própria Rússia.
O dia 12 de maio de 1991 começou com notícias no espirito da época da perestroika.
Nos canais, os noticiários informavam: “No polígono de Kapustin Yar foi destruído o último míssil SS-20”.
Ao meio dia, os jornais da TV informavam: “Esta data – 12 de maio de 1991 entrará para a história das forças armadas soviéticas”. O parlamento decidiu conduzir um experimento: introduzir alguns elementos do sistema de contrato no exército.
Um centro de pesquisa então publicava o resultado de um levantamento: "O que, na sua opinião, é hoje o principal obstáculo no caminho das reformas democráticas na União Soviética?". O resultado foi o seguinte:
Os culpados, disseram, são absolutamente todos, mas principalmente o “centro” e as repúblicas (30%)
Ficou claro que o presidente da URSS, Mikhail Gorbachev e o representante do Soviet Supremo da Federação Russa, Boris Yeltsin decidiram se ocupar da tarefa de eliminar essas causas.
As 11 horas no Kremlin começou o encontro de Gorbachev, Yeltsin e Ruslan Hasbulatov com os membros do Soviet da Federação, dirigentes das 16 repúblicas autônomas. Neste encontro foi expresso a sua relação para com o documento assinado em 23 de abril pelo presidente Gorbachev e líderes de nove repúblicas (o assim chamado grupo 9+1), no qual dado início ao processo de Novogarevski de criação de um novo pacto da união e transformação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em “União dos Estados Soberanos” dentro de um, assim chamado, Estado Confederativo.
Esta opinião deve-se ao fato de que as unidades autônomas (de cada república) na União das Repúblicas Soberanas eram vistas não como unidades independentes, mas como unidades autônomas dentro das repúblicas existentes. Os líderes das regiões autônomas dentro das repúblicas não concordavam com isso.
Aqui devemos lembrar do “desfile de soberanias”, o qual começou mais ou menos um ano antes destes fatos.
Um dos grandes culpados foi o próprio Boris Yeltsin. Em 6 de agosto de 1990 Yetsin disse: “Peguem tata soberania quanto puderem engolir”. Essas palavras foram com entusiasmo exaltadas pelos dirigentes das regiões autônomas. Porém, a frase seguinte foi momentaneamente esquecida. Era: “Mas vocês estão no centro da Rússia, e vocês precisam pensar sobre isso”.
Tanto a direita como a esquerda compreenderam o significado dessas palavras, mas as elites locais ficaram extremamente satisfeitas. Para eles surgia, algo como um direito de “governar a todos e não responder nem pagar impostos a nenhum Estado”.
Na TV em 4 de maio de 1991 Yeltsin afirmou que o encontro “9+1” chegou a um acordo pelo qual seria possível conduzir uma reforma em condições de concordância nas questões principais”.
Em 12 de maio de 1991 durante uma longa reunião de 6 horas,
Gorbachev e Yeltsin finalmente entenderam que que as atribuições dadas aos líderes das regiões autónomas podiam levar ao colapso do processo Novogarevsky, e isso foi o que aconteceu. A insistência no status quo, também, parecia impossível: no início de 1990 todas as repúblicas já estavam declarando independência, as regiões autônomas dentro das mesmas, sobretudo dentro da Rússia, não tardariam a fazer o mesmo.
Interessante que a primeira república autônoma a declarar independência foi a República Autônoma de Hakhitchevaskaya então, governada por Gaydar Alievin (mais tarde um dos idealizadores dos planos de privatização e liberalização da economia).
Por que uma região com apenas 7% de população nativa declararia independência não só da URSS, mas também da Rússia? Apenas interesses particulares das elites locais com ajuda estrangeira explica isso.
Naquele momento algumas repúblicas autônomas já há muito tempo se distanciavam da Rússia e começavam a elevar o seu status. Assim, em março de 1991 foi frustrado o referendum sobre a introdução do posto de presidente na República Socialista Federativa Soviética da Rússia, na Ossétia do Norte, em Tuvá, na Chechênia, no Tatarstão e na Ingushétiya. Embora a questão sobre a independência completa e saída da Rússia ainda não houvesse sido levantada, as relações com Moscou e a federação queriam que fossem reguladas depois, tendo fechado acordos em separado entre a Rússia e as regiões autônomas.
Outras variantes da solução, como pode ser visto agora nos nossos dias, existiam muitas. Mas Gorbachev e Yeltsin foram pelo caminho conhecido. É por isso que agora se pode falar de uma política consciente de derrotismo estes dois "coveiros" da URSS.
Então, em 12 de Maio de 1991, as regiões autônomas russas receberam um acordo de princípios com o seu status de unidades do futuro Tratado da União. Os líderes das ex-repúblicas soviéticas (verdadeiros) não sabiam nada sobre isso. Na verdade, houve um golpe de Estado constitucional. O direito de se separar da URSS, e exatamente esse direito pressupõe soberania, especialmente naquelas condições, de acordo com a Constituição, era restrito apenas às 15 repúblicas e não se estendia às regiões autônomas dentro das repúblicas como a Chechênia por exemplo que mais tarde viriam a entrar em guerra civil em virtude disso.
Além disso, no país existia um estranho "sistema de soberanias em dois níveis". Tão confuso que "compreender" isso só com uma "revolução" ... uma "revolução" que apenas alguns meses depois aconteceu. Em 12 de maio foi iniciada a fase irreversível do colapso da União Soviética. Até esse dia, o grandioso país dos sovietes, super-potência pluriétnica mundial podia ser salvo. Após o dia 12 os eventos começaram a se desenvolver como uma avalanche.
Praticamente no dia seguinte foi emitido um decreto secreto do Comité Central do Partido Comunista da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, indicando que "todas as estruturas do partido em todas as formas possíveis deveriam ajudar nas eleições presidenciais da Rússia o camarada N. I. Ryzhkov". Claramente delineava-se uma divisão nas fileiras comunistas. Em uma entrevista muito mais tarde Mikhail Gorbachev amargamente lamentou não ter renunciado ao Partido Comunista naqueles dias e não ter criado um novo - o Partido Socialista, que iria incluir apenas os seus apoiantes. Então, em sua opinião, não haveria um golpe, e o novo tratado de união seria assinado.
Em 24 de maio de 1991 foram feitas alterações na Constituição da República Socialista Federativa Soviética da Rússia em relação aos nomes das Repúblicas Socialistas Soviéticas Autônomas, foi removida a palavra "autônoma", contrariando o artigo 85 da Constituição da URSS. As ex-repúblicas autônomas da Rússia estavam se preparando para entrar na íntegra na nova União das Repúblicas Soberanas Soviéticas e, em seguida, na União de Estados Soberanos. A repúblicas soviéticas, aparentemente, neste momento começaram a se preparar para a independência real. Passaram-se alguns meses e veio o colapso da União Soviética.
Mas o "vírus da independência" já estava instalado na Rússia. Yeltsin, como ninguém, sabia muito bem o que realmente acontecia. Experiências anteriores com a "reforma" da URSS não tiveram sucesso, e não sem a participação do presidente russo. No entanto, em 31 de março 1992, o Tratado da Federação foi assinado entre o presidente e os chefes das regiões, na verdade consistia de três documentos. Um foi assinado com as repúblicas que o acordo chamou oficialmente de "repúblicas soberanas". A segunda com os "Kray" (denominação russa para determinado tipo de região administrativa), regiões e cidades de importância federal. O terceiro acordo foi assinado com as regiões autónomas e distritos autônomos.
O resultado foi uma "inovação", que não chegaria a ver a luz do dia, um sistema triplo de status diferentes da Federação. Chechênia, onde já havia se estabelecido regime de Djokhar Dudaiev, lider isâmico radical, recusou-se a permanecer dentro do Estado jurídico russo, com o resultado de que, em 1994, houve a guerra, que só terminou em 2000. No Tatarstão, que, como a Chechênia, não assinou o Acordo Federal, foi realizado um referendo com aprovação de uma Constituição. O Tatarstão foi definido como um Estado associado com a Federação Russa com plenos poderes delegados. A liderança da república deixou claro que o Tatarstão não procuraria sair da Rússia, e em troca recebeu algumas concessões em matéria econômica do que de fato usa até hoje.
Os problemas foram parcialmente resolvidos após a adoção em 1993 da Constituição russa, que introduziu o princípio da igualdade entre as unidades federadas. A Constituição foi aprovada em um referendo nacional, que, no entanto, não foi realizado na Chechênia e no Tatarstão. Foi somente a partir de 2000, após a chegada ao poder do presidente Vladimir Putin, que o centro federal vem declarando ativamente o princípio da igualdade das unidades. Foi significativamente enfraquecido o Conselho da Federação, sendo já chamado na imprensa de "Duma dos Boyardos" (boyardo é um termo russo que designa senhores feudais). Mas um ponto foi colocado pelo Tribunal Constitucional que declarou claramente que "os sujeitos da Federação Russa não é têm status de Estado soberano, e não podem tratar desta questão em suas respectivas constituições e, portanto, não têm direito de se declarar Estados soberanos, nem mesmo em condição de soberania limitada "