Rússia, uma superpotência?
O objetivo estratégico da política externa russa é consolidar um mundo tripolar onde ela controla a “Grande Eurásia”.

O presidente Vladmir Putin e seu ministro das relações exteriores, Serguey Lavrov
Jonathan Adelman não tem dúvidas em responder com um “sim” à pergunta que nomeia este tópico. Em seu instigante artigo intitulado “Pensando no impensável: a Rússia re-emergiu como uma potência” (disponível aqui) o professor da Universidade de Denver reflete sobre o fato de que tem sido muito negativa, nos últimos anos, a imagem ocidental da Rússia e de Putin. Ele lembra como o presidente Obama chegou a chamar publicamente Putin de “um estudante que se esconde em sua cadeira no fundo da sala”, ridicularizando o país como um mero “poder regional”. Por outro lado, embora a Rússia tenha hoje – mais que nada no Ocidente – uma imagem deturpada e decadente, como a posição do país como “superpotência” chega a ser levada a sério? Como, depois do colapso soviético, pode a Rússia voltar a se tornar uma grande potência, sendo que não houve no país uma revolução agrária ou de consumo capaz de impulsionar a modernização do país, e em vez disso seu principal suporte econômico, o petróleo, está há anos com preços desagradavelmente baixos? Como o país pode levantar seu status de superpotência tendo um líder tão “ruim”? Adelman questiona: como pode este líder ser tão ruim, depois de habilidosamente ter manejado intervenções militares bem sucedidas na Geórgia (2008), Crimeia (2014), Ucrânia (2014-2016) e Síria (2015-2016)? O professor constata que Putin tem um brilhante Ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, que conta com um competente Ministério das Relações Exteriores, e segue enumerando elogios ao presidente russo, que “reconstruiu a capacidade militar do país, ao gastar US$ 49 bilhões por ano em segurança”. A partir daí enumera aspectos favoráveis à visão da Rússia como superpotência global:
A Rússia mantém 1.790 armas nucleares estratégicas. Com mais de 140 milhões de pessoas e 13 milhões de graduados universitários, a Rússia tem quase um milhão de cientistas, engenheiros e técnicos de primeira classe, a maioria dos quais trabalham para os militares. Muitas antigas grandes potências já não são grandes potências. O Japão, que esmagou o exército russo na Guerra Sino-Japonesa de 1904, ocupou grande parte da China de 1937-1945 e tem uma economia de quatro trilhões de dólares já não é uma potência. Depois de sua derrota na Segunda Guerra Mundial, com a queda americana de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki e na ocupação pós-guerra americana, o Japão prometeu uma intervenção no mundo e se recusou a adquirir armas nucleares. A Europa, que outrora estava repleta de grandes potências como a Alemanha, a França, a Inglaterra e a Austro-Hungria, passou agora a outra direção. A Alemanha bateu com firmeza os russos em cada batalha da Primeira Guerra Mundial e aproximou-se de fazer o mesmo em 1941 e 1942. Hoje, com fraca projeção de poder, as três potências têm menos de 1.000 tanques de combate e poucos porta-aviões. O fraco crescimento econômico (1,5% ao ano), os conflitos entre os seus 28 membros, a migração do Oriente Médio, problemas graves com membros mais fracos, como a Grécia, promovem questões domésticas em detrimento de questões internacionais. A China, com seu PIB de dez trilhões de dólares, mais de dois trilhões de dólares de exportações, mais de três trilhões de dólares em seu fundo de reserva, 1,35 bilhão de pessoas e 3,7 milhões de quilômetros quadrados de território, é uma grande potência futura. Ela fez um enorme progresso econômico desde que Deng Xiaopong lançou as Quatro Modernizações em 1978, contudo, os problemas que ainda restam são impressionantes: uma enorme poluição atmosférica, 675 milhões de camponeses, uma enorme corrupção governamental, uma ditadura autoritária de um partido, a falta de Estado de Direito, o envelhecimento acelerado da população, centenas de milhares de crianças se criando com apenas US$ 7.500 PIB. Seu poder militar, embora impulsionado por 150 bilhões de dólares de gastos anuais, ainda precisa de mais uma década para se tornar uma força verdadeiramente moderna. A Índia tem 20% de analfabetismo, 300 milhões de pessoas sem eletricidade e um PIB per capita de US$ 1.300, menos de três por cento dos Estados Unidos. Ela enfrenta o Paquistão, logo ao lado, com 200 bombas atômicas. Com mais de um bilhão de pessoas, a Índia será uma grande potência, mas não por várias décadas. Depois, há os Estados Unidos, a única superpotência mundial desde a vitória na Guerra Fria e uma das duas superpotências no mundo desde 1945. Sua economia de 18 trilhões de dólares, 17 das 20 maiores universidades do mundo, liderança mundial em alta tecnologia, mais de 550 bilhões de dólares em gastos militares e 330 milhões de pessoas tem uma séria vantagem sobre a Rússia. Mas, com o surgimento de candidatos presidenciais neo-isolacionistas populares, a recuperação econômica mais lenta desde a Grande Depressão e o declínio em seu setor manufatureiro, a administração falando em reduzir o tamanho do exército americano ao nível de 1940 e a semi-retirada de Obama do Oriente Médio, a porta que tinha sido fechada à Rússia foi aberta. O impensável tornou-se uma realidade. A Rússia, aparentemente acabada depois da derrota na Guerra Fria, agora está emergindo como uma grande potência potencial desafiando o Ocidente. Ela fez o impensável – tornou-se uma grande potência preenchendo o vazio deixado por outras grandes potências que agora se reduziram em tamanho, poder e influência.