A atualidade histórica da Conferência de Teerã
O grupo de estudos 9 de Maio
se dedica a estudar e divulgar materiais
acerca da Segunda Guerra Mundial
(Grande Guerra Patriótica) e seus
desdobramentos na sociedade contemporânea.
Por Eden Pereira.
Primeira, e talvez a principal conferência entre os líderes da coalizão anti-fascista até
aquele momento da Segunda Guerra Mundial, Teerã possui marcas indeléveis para a história
contemporânea. Este encontro caracteriza-se como uma verdadeira ruptura política entre as
relações dos países ocidentais para com a União Soviética. A titulo de exemplo, o então líder
soviético, o marechal Iosif Stálin, nunca havia viajado para fora do país, o que eleva em
grande medida a importância assim como a expectativa deste encontro.

Para os Estados Unidos, em especial Franklin Roosevelt, a conferência cumpria o
papel de consolidar a ponte aberta com os soviéticos nos anos anteriores para pavimentar um
período pós-guerra balanceado com a Grã Bretanha. Um caminho difícil, que desde o
estabelecimento oficial das relações em 1933 passa por muitos altos e baixos, onde inclusive
um especialista militar do país em 1940, avaliou a irracional possibilidade de uma invasão
soviética no Alasca em um relatório para o governo. Nunca é demais relembrar a famosa fala
do então Senador, e futuro presidente, Harry Thruman por ocasião da invasão nazista a União
Soviética, de que se deveria ajudar o país que estivesse perdendo o conflito, independente do
que representasse políticamente o triunfo de cada um.
Já os britânicos, então preocupados com seus interesses imperiais, tinham relações
ainda piores com a União Soviética, a despeito de que recentemente a historiografia
revisionista no ocidente tem posto Churchill como aquele que avisou os soviéticos da invasão
alemã em junho de 1941, e se opôs a uma ’’inocência’’ de Roosevelt em relação a Stálin. A
única ação conjunta entre a União Soviética e Grã Bretanha na guerra até 1943, havia sido a
deposição do governo pro-eixo do Irã em agosto de 1941. Uma operação de interesse de
ambos os países, em virtude da ameaça de lutar em duas frentes no Oriente Médio para os
britânicos, enquanto que os soviéticos possuiriam uma frente exposta na região do Cáucaso.
Mesmo com a invasão nazista a União Soviética, os estranhamentos anteriores com os
britânicos por ocasião da Guerra de Inverno, entre soviéticos e finlandeses, permaneciam
devido as reuniões a nível de Estado entre Londres e Berlim por ’’detrás das cortinas’’,
conhecidas pelos soviéticos. A própria Conferência de Teerã não mudou muito a relação entre
Londres e Moscou, ainda que tenha pavimentado uma aliança militar para ações conjuntas- o
que na prática foi bem pouco efetivado.
Uma das obras mais completas sobre questões diplomáticas deste período, é o trabalho
do falecido ex-embaixador da Alemanha Ocidental (1971-1978) e membro do Comitê Central
do Partido Comunista Soviético (1988-1991) Valentin Falin, A Segunda Frente- Coalizão
Anti-hitleriana: Conflito de Interesses (2000)- livro disponível apenas em russo-, que aponta
o ano de 1943 como decisivo para a consolidação de uma coalizão antifascista. Ele ressalta
que mesmo frente ao presente andamento da guerra até meados de 1942, existiam reuniões
frequentes entre o chefe da Abwehr- Serviço de Informações do Exército Alemão-, Wilhelm
Canaris, e representantes dos serviços de inteligência britânico e estadunidense- MI-6 e OSS.
Nesta conferência, os soviéticos centravam seus interesses militares e políticos muito
mais em questões ’’domésticas’’ do que necessariamente na forma como o mundo, e não
apenas a Europa, se estruturaria no pós-segunda guerra. Este conjunto de reclamações
soviéticas eram compostas por ações anglo-estadunidenses mais concretas no cenário de
guerra europeu, o reconhecimento de suas fronteiras ocidentais anteriores a 22 de junho de
1941, a recuperação das faixas territoriais no extremo oriente ocupadas pelos japoneses desde
a Guerra de 1904-1905, e o reconhecimento diplomático de todos os países signatários da
Carta do Atlântico, embrião da futura Organização das Nações Unidas (ONU).
Embora conquistados em boa parte, estes pedidos, pelo seu próprio caráter
’’doméstico’’, abrem espaço para que os Estados Unidos se preocupassem em definir as
instituições internacionais, algo que teria um preço caro no futuro- naquele momento,
Roosevelt era simpático de uma política coordenada com Stálin, em oposição ao que ocorreu
após sua morte com a ascensão do já citado Senador Harry Thruman à Casa Branca.
O desenvolvimento e a conclusão com as conhecidas resoluções finais desta
conferência relacionadas a guerra foram essenciais para que em 1944 os ataques coordenados,
Operação Overlord- vulgo Dia D- (Desembarque anglo-estadunidense na Normandia) e
Operação Bragation (Libertação da Bielorrússia e cerco das forças do eixo no Báltico)
enfraquecessem o bloco do eixo. A implosão deste grupo a partir da perda de membros e
recursos valiosos frente ao crescente esforço global, fortaleceu os aliados na luta que resulta
no triunfo militar em 1945 contra a Alemanha na Europa e o Japão no extremo oriente. No
entanto, a desconfiança para com os soviéticos permaneceu, com os britânicos desenvolvendo
provocações e aventuras em países da europa oriental, assim como o desembarque
estadunidense no sul da península coreana no fim de agosto de 1945.
Hoje, a historiografia possui uma multiplicidade de visões acerca da Conferência de
Teerã, muitas das quais buscam diminuir a sua importância, seja encaixando-a apenas em
debates puramente militares, seja porque as cúpulas da coalizão posteriormente tomam
decisões políticas mais incisivas em Yalta e Potsdam. No entanto, considerando-se que as
duas últimas reuniões citadas em 1945 já delineavam o mundo pós-guerra levando em
consideração o andamento do conflito- que naquele momento assistia um avanço avassalador
do Exército Vermelho-, tais reuniões assumem diretivas muito mais permeadas por uma
crescente animosidade com o fortalecimento do poder político soviético, do que pela ideia de
uma cooperação entre os países membros da coalizão.
Entretanto, na realidade, Teerã nunca representou uma chance de cooperação baseada
em verdadeira confiança mútua, mas apenas uma oportunidade no que diz respeito a uma ação
política acordada acerca de problemas globais comuns, mesmo que provisória, mas vital no
momento para todos os atores envolvidos. Das grandes conferências dos líderes ocidentais,
esta foi a primeira que reconhece publicamente os soviéticos enquanto um ator de importância
global, dada a necessidade urgente de derrotar a Alemanha e o Japão. Um ato de grandeza
política, não oriundo de ações individuais de britânicos e estadunidenses, mas um resultado de
um real esforço coletivo, vindo principalmente dos soviéticos, que combatiam as pretensões
políticas globais nazistas desde 1934.
Portanto, Teerã foi uma tentativa de superar Munique.

A Conferência de Munique, cujo imaginário político entre os soviéticos se manteve, e
ainda se mantém entre os russos, colocando-os de fora das decisões importantes e pondo-os
na condição de inimigo, é apenas parcialmente derrubado em Teerã. Embora Ivan Maisk,
outro histórico diplomata, não reconheça diretamente o valor desta reunião frente as ações
ocidentais anteriores de isolar os soviéticos- principalmente por causa dos desdobramentos de
Munique e a Guerra Fria no momento em que escrevia o livro Quem Ajudou a Hitler-, Putin,
atual presidente da Rússia, o fez. Em seu recente artigo sobre os 75 anos do fim da Segunda
Guerra Mundial, ele resgata a importância da Conferência Teerã, assim como as de Yalta e
Potsdam, cujas características são diferentes, mas não menos importantes.
Resgatar este esforço soviético ao longo daqueles anos, cujos frutos geram este
encontro único, é parte de uma grandeza política temporal. Essa grandeza, rara na história,
hoje quase octagenária, ainda que de curta duração na prática, merece ser relembrada e
estudada, pois eleva a importância da construção de ações coordenadas globalmente para a
resolução dos problemas mundiais a despeito de divergências particulares.
O atual curso processual histórico do planeta, cujos destinos de povos inteiros se
interligam como nunca antes, torna a observação de tais iniciativas algo de ainda maior
importância. Se as consequências das decisões dos ’’Três Grandes’’ entre 1943 e 1945 foram
responsáveis por estruturar toda uma ordem mundial que por mais altos e baixos que tenha
passado ainda se mantém a sete décadas e meia, hoje qualquer ação, isolada ou coordenada,
negativa ou positiva, de agressão ou pacificação, ressoa ainda mais por parte de qualquer um.
Mediante a isso, se tem algo que Teerã demonstra, é que a despeito das desconfianças
mútuas entre Churchill, Roosevelt e Stálin, ações coordenadas são capazes de resolver
problemas globais. O resgate da diplomacia como instrumento de diálogo, e não de conflito, é
fundamental para isso. As naturais falhas existentes no caminho diplomático não merecem
por tal motivo serem substituídas por um selvagem unilateralismo a lá far-west da psicologia
cowboy, que é uma tendência crescente nas últimas décadas. Inclusive as duas guerras
mundiais do século XX são oriundas de ações unilaterais, gestadas por uma concepção de
política internacional kantiana- dividida entre as nações auto-esclarecidas e as de menor idade
a serem tuteladas contra sua própria vontade. Repensar isso é um dos mais importantes
desafios históricos do presente período, onde a aspiração de muitos povos ainda não é
respeitada na prática, e por vezes asfixiada com instrumentos não convencionais.
Em suma, a Conferência de Teerã cumpre um papel histórico fundamental para a
Segunda Guerra Mundial, e o resto do século XX, pois nela, a forte posição soviética foi com
justiça reconhecida a nível mundial pela primeira vez desde o triunfo da Revolução de
Outubro. Ela deixa para a história uma série de lições valiosas, onde um dos melhores
resumos está presente nas palavras do marechal e historiador soviético Andrey Grechko, que
diz que Teerã ’’...afirmou a possibilidade de Estados com sistemas políticos e sócio-
econômicos diferentes concordarem quanto a problemas fundamentais de uma guerra contra
um inimigo comum.’’
Referências:
FALIN, Valentin. Vtoroy Front- Antigitleritcheskaya koalitzya: Konflikt interesov (A Segunda
Frente- Coalizão anti-hitleriana: Conflito de Interesses). Editado por Tzentrpoligraf, Moscou,
2000.
GRECHKO, A. A. A Missão Libertadora das Forças Armadas Soviéticas na Segunda Guerra
Mundial. Editora Livraria Ciência e Paz, 1985.
PUTIN, Vladimir. The Real Lessons of 75th Anniversary of World War Two. In: The National
Interest. 2020. Disponível em: https://nationalinterest.org/feature/vladimir-putin-real-lessons-
75th-anniversary-world-war-ii-162982.