A busca pela modernização na Rússia Imperial (1861-1914) e Soviética (1921-1939)
A busca por aumento e projeção de poder foi a principal motivação para, tanto a Rússia Imperial como a Rússia Soviética, iniciarem um processo de modernização e industrialização tardio. Entretanto, embora as limitações para o referido processo fossem semelhantes, isto é, como obter o capital necessário em uma nação predominantemente agrária, com baixa produtividade e acumulação de capital, as diferenças geradas pela mudança na elite governante e o novo paradigma político e ideológico adotado pelos soviéticos, fizeram com que distintas trajetórias fossem adotadas. Na Rússia Imperial, durante o processo modernizante, ocorreu pouco incentivo para um aumento na acumulação de capital.
Cartaz de incentivo ao esforço para o progresso

A Emancipação dos Servos em 1861 não rompeu com as limitações socioeconômicas que dificultavam a modernização do setor agrícola russo. A ausência de poupança interna fez com que a modernização econômica fosse estimulada quase que exclusivamente pela poupança externa. Assim, observamos que no período imperial, a Rússia fez uso de instrumento inexistente para as nações que já se encontravam industrializadas, qual seja, a utilização da abundância de capital, recursos técnicos e bens de capital existente nas mesmas. Dessa forma a Rússia conseguiu superar o problema da acumulação de capital proveniente da transição mal sucedida do modo de produção feudal para a capitalista.
Os recursos externos provenientes de nações ocidentais que já haviam alcançado um estágio de modernização mais sofisticado, em busca de uma aplicação rentáveis (ainda que menos seguras), fluíram em direção a Rússia. No primeiro momento, o empresário externo incentivou o investimento no setor primário exportador, com a construção de ferrovias sendo um dos principais destinos do capital. As ferrovias tinham a finalidade de escoar a produção de cereais e ligavam regiões produtoras de grãos com os rios navegáveis e os portos no Mar Negro e Báltico. No entanto, a adoção de medidas liberais fez com que a mineração e a indústria metalúrgica russa fossem pouco incentivadas durante as primeiras décadas após a emancipação. Dessa maneira, por mais que houvesse um desenvolvimento industrial, este ainda estava aquém do necessário para promover a industrialização requerida para aumentar o poder nacional russo dentro do Sistema Internacional. Uma postura mais ativa do governo só foi realizada na última década de 1890, sob o comando do então Ministro das Finanças Sergei Witte.
No referido período, a Rússia Imperial fez uso do capital externo disponível no mercado internacional, utilizando o mesmo para promover a acelerada industrialização do império. No entanto, a crise internacional no inicio da primeira década do século XX, resultou em uma redução na quantidade de capital disponível. A situação só melhorou alguns anos após a Revolução de 1905, sendo novamente interrompida com o advento da 1 a Guerra Mundial. Assim, durante o período tzarista, a Rússia fez amplo uso de poupança externa para poder compensar as limitações de sua estrutura socioeconômica. Embora o recurso seja extremamente válido, e tenha logrado um êxito relativo, a Rússia estava sujeita à volatilidade do mercado externo. Quando o mesmo enfrentava situações adversas, liquidez era restringida, o que interrompia o processo de modernização russo.
A única forma de escapar das incertezas da disponibilidade da poupança externa seria estimular o desenvolvimento da acumulação de capital dentro do território russo. Para isso, seria necessário que o governo fornecesse os estímulos necessários para modernização da agricultura. Contudo, a preocupação excessiva com a rápida industrialização do império e o desejo de manter a estrutura social existente fez com que Sergei Witte não desse a devida atenção à situação rural russa. Assim, foi mantida a estrutura criada após a emancipação, com a terra continuando a ser concedida às famílias como parte da propriedade comunal. Dessa maneira, a baixa produtividade do setor agrícola foi mantida. Além disso, mesmo os trabalhadores que se encontravam alocados nas novas indústrias continuavam, em grande parte, vinculados à terra de alguma forma.
Após a Revolução de 1905, o governo tzarista começou a dar maior atenção à situação do campo, visto que as medidas adotadas, além de não estimularem o processo de acumulação de capital, não conseguiram assegurar a estabilidade no campo. Em 1906 o Primeiro Ministro Sotlypin começou a desenhar um processo que tinha como objetivo transformar a terra em uma propriedade privada de fato. Essa medida foi um importante passo para estimular uma acumulação maior de capital e desenvolver o mercado interno russo, que poderia incentivar o surgimento de um empresário privado que participasse do processo de modernização da Rússia Imperial.
O período citado ainda contava com um bom aporte de capital externo, podendo assim, ao mesmo tempo em que estimulava a acumulação interna de capital, fazer uso da poupança externa para induzir o rápido desenvolvimento industrial e a modernização econômica. No entanto, veio a 1 a Guerra
Mundial e o governo tzarista nunca pôde visualizar quais seriam
os resultados finais caso seu programa de modernização tivesse conseguido continuar sem perturbações por um período maior.
O governo Soviético, após cancelar em janeiro de 1918 todas as dívidas com os bancos capitalistas dos Estados Centrais, acabou criando uma barreira à entrada do capital externo no país. A incerteza em relação ao governo socialista russo era enorme. Por esse motivo, o fluxo de capital não fluiu na mesma proporção do que ocorreu na Rússia Imperial. Entretanto, a baixa produtividade da economia continuava dificultando a acumulação de capital. Para aumentar a complexidade do problema, a situação da Rússia após a Guerra Civil era extremamente delicada. A agricultura produzia em níveis inferiores aos produzidos anteriormente pelo Império e o ânimo do campesinato se encontrava exaltado por conta da requisição forçada de cereais e outras medidas da Guerra Civil.
Vladimir Lenin

Assim, mais do que proporcionar um período de rápida modernização e crescimento, a NEP (Nova Política Econômica) possuía como objetivos reestruturar a atividade econômica na Rússia e estabilizar as tensões sócias herdadas do período imperial e da guerra civil. As concessões capitalistas feitas pela NEP buscaram estimular a produção agrícola voltada para o mercado, incentivando o aumento da produção. Entretanto, o aumento da produção não levou a um aumento da produtividade, visto que a alteração na forma de extração do excedente agrícola, isto é, o fim requisição forçada e sua substituição por um imposto, gerou aumento da qualidade de vida camponesa sem uma necessidade imediata mudança nas técnicas de produção adotadas, permanecendo assim o problema da baixa produtividade. Esse fato demonstra claramente que a requisição ia além do excedente econômico produzido pelo camponês. Em relação ao crescimento industrial, a escassez de recursos e o objetivo de reestruturação da atividade econômica fizeram com que o crescimento industrial durante a NEP fosse gerado em grande parte pela revitalização de empresas já existentes. A indústria de bens leves foi a que conseguiu uma melhor taxa de recuperação.
A indústria pesada, o principal setor industrial para proporcionar o aumento do poder de um Estado, apresentou uma recuperação lenta. Assim, embora no longo prazo houvesse a perspectiva de que a NEP conseguiria superar os problemas relacionados à acumulação de capital e que iria estimular o aumento da produtividade, ela não foi capaz de resolver os anseios imediatos relacionados à questão do poder da Rússia Soviética. Além disso, ao romper com pressupostos revolucionários, permitindo atividades capitalistas e a presença de classes consideradas “burguesas”, a NEP sofreu com pesadas criticas dentro do governo Bolchevique. O crescimento da classe “burguesa” representava uma ameaça potencial a nova elite dominante russa.
A ascensão de Stalin ao poder e a série de “ofensivas socialistas” adotadas pelo mesmo puseram fim a NEP. Ao assumir a liderança Stalin iniciou um processo buscando aumentar o poder da URSS no Sistema Internacional. Com esse objetivo foram lançados os Planos Quinquenais, que promoveram o crescimento acelerado da indústria soviética.
A escassez de capital foi contornada pelo processo de coletivização do campo, ação que permitiu ao governo soviético drenar recursos da sociedade e direciona-los para indústria pesada. Entretanto, os efeitos dessas medidas para a grande maioria da população foram a deterioração na qualidade de vida e aumento do sofrimento. Os sacrifícios impostos pelos Planos Quinquenais mostram claramente que, apesar do pano de fundo da ideologia comunista, a necessidade de poder direcionava as ações do governo soviético. Dessa forma, guardadas as diferenças específicas de cada processo, que naturalmente não são dispensáveis, tanto o esforço de modernização da URSS como da Rússia Imperial foram entendidos pelos seus propugnadores como um instrumento a favor da sobrevivência do Estado russo (comunista ou imperial) no Sistema Interestatal Capitalista da Era Industrial.
Fonte:
O texto acima é um fragmento do resumo da Dissertação de Mestrado de Flavio Schluckebier Nogueira apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, do Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Economia Política Internacional.
http://www.ie.ufrj.br/images/pos-graducao/ppge/Dissertacao_Flavio_Nogueira_VF.pdf