BRICS + como plataforma anti-crise para o sul global
28.08.2020
Yaroslav Lissovolik
Para o Valdai Club
A atual crise global revelou uma série de deficiências na estrutura de governança global, seja no nível das instituições globais, seja no nível dos blocos de integração regional. Com relação a este último, a falta de resposta à crise por parte das instituições regionais foi exacerbada pela falta de medidas contingenciais para potencializar o impacto desses estímulos anticrise para os parceiros regionais dos principais pesos pesados da economia global. A crise atual demonstrou amplamente a importância dos fatores regionais na propagação e contenção da pandemia. É por isso que novos formatos de cooperação econômica que atribuem peso substancial à cooperação regional e inter-regional - como a iniciativa BRICS + podem se tornar mais proeminentes nos esforços anticrise em nível global daqui para frente.

Na verdade, a utilidade do BRICS + como uma estrutura anticrise para os países em desenvolvimento já foi destacada em um relatório recente elaborado por um think-tank argentino Observatorio de Cultura Internacional y Política Exterior (OCIPEx). O relatório pede que a Argentina considere sua entrada no círculo BRICS Plus, tendo em vista os benefícios potenciais associados à participação do país nos projetos do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), bem como o acesso aos recursos do Acordo de Reservas Contingentes do BRICS (CRA). Os recursos do NDB e do BRICS CRA são, portanto, vistos como instrumentos alternativos às ferramentas padrão dos empréstimos do Banco Mundial e do FMI para enfrentar a severa desaceleração econômica.
Além da maior de uma maior gama de opções na busca de fontes adicionais de financiamento anticrise, há também um importante papel a ser desempenhado pelo BRICS + como plataforma para coordenar os esforços anticrise de todo o Sul Global, visto que a crise atual revelou uma vulnerabilidade particular dos países em desenvolvimento face à pandemia e à recessão econômica. De fato, à medida que a pandemia se espalhava pelas economias desenvolvidas durante os primeiros estágios da crise, as fases subsequentes de propagação da pandemia engolfaram os países do Sul Global com grande velocidade, sendo para os países BRICS e economias em desenvolvimento da América Latina particularmente difícil.
O papel anti-crise da estrutura do BRICS + pode ser baseado no maior envolvimento com os parceiros regionais do núcleo do BRICS em áreas como conectividade regional, sistemas regionais de alerta precoce, bem como medidas anti-crise que são projetadas para produzir um forte efeito no sistema (não apenas a nível nacional). Isso, por sua vez, envolverá mais ativismo do Novo Banco de Desenvolvimento na expansão de sua adesão aos parceiros regionais dos países do BRICS e no desenho de medidas anticrise e de sustentabilidade econômica para novos membros. Com relação ao BRICS CRA, há necessidade de uma análise abrangente das vulnerabilidades econômicas e sistêmicas (incluindo potenciais efeitos de transbordamento regional) em toda a plataforma BRICS +, com a avaliação da possibilidade de estender pacotes de empréstimos de estabilização aos parceiros regionais do BRICS.
Um elemento importante dentro da estrutura anti-crise BRICS + deverá ser a promoção do uso de moedas nacionais como uma forma de reduzir descasamentos de moedas - o NDB e o BRICS CRA, bem como a criação potencial de um mecanismo de pagamento do BRICS poderia desempenhar um papel crucial a este respeito. Outra área a ser explorada na área de cooperação entre os arranjos de integração regional, como MERCOSUL, EAEU ou ASEAN, pode ser a promoção de cadeias de valor agregado regionais e transregionais que podem ser apoiadas durante períodos de crise com medidas de política coordenadas para prevenir sua fragmentação. E é claro que há também a necessidade de o NDB e o BRICS CRA servirem de plataformas para a cooperação das respectivas instituições de desenvolvimento regional - no caso do NDB isso seria dos bancos regionais de desenvolvimento, enquanto no caso do BRICS CRA isso se relaciona com a cooperação entre os Arranjos de Financiamento Regional (RFAs) do Sul Global.
No final, a estrutura do BRICS + pode acabar sendo mais inclusiva no envolvimento de uma gama mais ampla de economias do Sul Global em comparação com o projeto QUAD + que inclui o núcleo QUAD (Estados Unidos, Austrália, Japão e Índia), bem como o Vietnã, Coreia do Sul e Nova Zelândia. Enquanto a expansão do QUAD + parece estar focada em atrair outros países com base em uma proximidade estratégica de interesses, a iniciativa BRICS + está evoluindo ao reunir não apenas países individuais, mas grupos de integração regional em todo o Sul Global. Em oposição ao quadro QUAD +, o BRICS + inclui regiões como a África e a América Latina, regiões que atualmente são particularmente atingidas pela crise do COVID-19 e estão no centro dos esforços globais para apoiar o desenvolvimento.