Crime e castigo, triller psicológico
Crime e castigo, o primeiro livro em que Dostoievski desenvolve de maneira plena sua percepção das nuances interiores das personagens, é um romance policial com fundo filosófico e impacto emotivo de melodrama. Começa com uma sequencia em que o protagonista Raskolnikov (estudante pobre tão brilhante quanto perturbado) vaga por São Petersburgo como se tivesse num pesadelo: uma ideia obsessiva vai se fundindo com as cenas de miséria que ele testemunha pelas ruas. Esse caráter onírico, que lança o leitor no turbilhão de uma consciência às voltas com pensamentos contraditórios, vai impregnar todo o romance, resultando num triller psicológico.

A ideia que move Raskolnikov fora expressa num artigo de jornal no qual ele havia dividido as pessoas em “ordinárias” e “extraordinárias”, propondo que as ultimas teriam direito de romper as convenções sociais e cometer delitos em nome de grandes transformações.
Seu modelo – como para Julien Sorel de O vermelho e o negro – é Napoleão, com a diferença de que Raskolnikov não deseja ascender socialmente (como o herói de Standhal) mas, estar à altura de suas ideias. Resolve então assassinar uma velha usurária, que considera uma parasita social, para provar sua coragem amoral e obter dinheiro para iniciar sua trajetória “extraordinária”.
No momento do crime, porém, é surpreendido pela irmã da agiota, sendo obrigado a também assassiná-la. Começa aí o seu tormento psicológico, com delírios persecutórios que colocam em questão sua auto-imagem e aos quais se somam dois acontecimentos: a notícia de que sua irmã está prestes a casar com um burguês afeado (símbolo de um materialismo estreito que aprofunda a sua revolta) e o envolvimento com Sônia (prostituta que encara a humanidade ofendida).
Os grandes interlocutores de Raskolnikov, porém, são o juiz de instrução Porfiri Petrovich (que empreende um duelo intelectual no qual desvenda os mecanismos mentais do estidante) e o libertino Svidrigailov (“dublo” no qual Raskolnikov enxerga o lado vicioso de suas virtudes, abrindo-lhe caminho para uma redenção que remete aos anos de Dostoiéviski na Sibéria).