Yuri Gagarin – 60 anos de um legado de paz e progresso
Por Boris P. Zabolotsky
No dia 12 de abril de 1961, a União Soviética ratificou a sua inequívoca
supremacia na corrida espacial com o lançamento bem-sucedido da primeira
espaçonave tripulada do mundo. A bordo da Vostok-I, Yuri Gagarin se tornava o
primeiro humano a orbitar o planeta. Este evento paradigmático, pode ser considerado,
sem exageros, um dos principais pontos de inflexão do século XX, quiçá da história da
humanidade como um todo, cujas repercussões ainda ecoam até os dias de hoje.
O contexto do envio do primeiro homem ao cosmos é notadamente marcado por
um período de escalada das tensões entre Estados Unidos e União Soviética. Este
estágio nas disputas da Guerra Fria era sublinhado pela corrida armamentista já
existente, cujos efeitos encontraram ressonância nos episódios que levaram a Crise dos
Mísseis em 1962. Ainda que os conflitos antagônicos permanecessem latentes durante o
decorrer da Guerra Fria, o triunfo de Gagarin reformulou as percepções das
superpotências no que tange a exploração espacial.
Até aquele momento histórico, a dinâmica política das superpotências
envolvidas na Guerra Fria entendia o espaço sideral como um ambiente para elevar as
disputas militares. A partir do envio de Gagarin ao cosmos, altera-se e eleva-se as
percepções coletivas a um novo patamar - o espaço sideral até então entendido como
uma arena restrita às questões bélicas e dissuasórias passa também a ser considerado
como uma esfera ideacional e simbólica. Neste cenário, a mudança paradigmática, então
representada pela possibilidade de um homem orbitar o cosmos, gerou um conjunto de
reações que deslocaram as disputas políticas e a projeção internacional das
superpotências da Guerra Fria para um âmbito civil, social e científico.
Após seu retorno à Terra, Gagarin converteu-se em ícone mundial e iniciou uma
turnê internacional pelas principais capitais mundiais e isto transformou, inclusive, a
maneira como os ocidentais enxergavam os soviéticos. Os traços da personalidade de
Gagarin, caracterizada pelo seu carisma, pacifismo e simplicidade, desarmaram e
frustraram as expectativas e as identidades imaginadas pelos ocidentais sobre o sujeito
soviético e sobre a União Soviética. Neste sentido, os desdobramentos do sucesso
obtido por Gagarin no espaço auxiliaram a transcender e alterar as assimilações que até
então apontavam a corrida espacial como um ambiente destinado a mísseis balísticos,
bombas nucleares e satélites de monitoramento. A mudança das atenções sobre o espaço
sideral e sobre o sujeito soviético gerada pelo envio do primeiro homem ao cosmos
descortinou, deste modo, um conjunto de medidas que alteraram os rumos da Guerra
Fria e de toda a humanidade.
Com efeito, este período é marcado por um aumento vertiginoso dos gastos
soviéticos e norte-americanos em programas espaciais pacíficos destinados a civis, fato
que inclusive ensejou a possibilidade de cooperação nesta área entre as duas
superpotências, algo impensável até então. Após o retorno de Gagarin à Terra, o então
Presidente norte-americano, John F. Kennedy, anuncia a intenção dos Estados Unidos
de levar o homem a Lua, chegando até mesmo a oferecer aos soviéticos uma proposta
para a realização conjunta da expedição.
Ainda que tais possibilidades de cooperação não obtivessem êxito a curto prazo,
devido a permanência das desconfianças entre as duas potências, é possível observar
suas repercussões a médio e a longo prazo. A dissolução das tensões iniciais sobre a
abordagem no espaço abriu margem para projetos cooperação mais amplos nesta área.
Um exemplo emblemático deste fato se observou já em meados da década de 1970,
quando as duas superpotências lançam o projeto conjunto experimental Apollo-Soyuz.
O legado de Yuri Gagarin ainda ecoa nas dinâmicas sobre a exploração espacial.
A mudança paradigmática estabelecida pelo primeiro cosmonauta trouxe consigo o
homem e o progresso civilizatório para o centro das expectativas da população global,
em especial no tocante a atuação humana no espaço, o que, por sua vez, obstou a
completa militarização desta arena. A contribuição para a humanidade a partir do envio
do primeiro homem ao cosmos pela União Soviética, além dos avanços científicos
inequívocos, também serviu, portanto, para estimular o uso pacífico do espaço como
fonte de progresso científico-civil desta área.

Boris Zabolotsky é mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Relações Internacionais Contemporâneas pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisador-membro do Núcleo de Estudos de Estratégia, Geopolítica e Integração Regional (NEEGI). Atualmente estuda as relações entre a OTAN e a Rússia no pós-Guerra Fria a partir de uma perspectiva teórica pós-estruturalista.